Como os canabinoides agem em nosso organismo?
Virtualmente todas as células do nosso organismo contêm receptores canabinoides, principalmente as células do sistema nervoso (Receptores CB1) e do sistema imunológico (Receptores CB2). Estes receptores são ativados fisiologicamente principalmente pela substância Anandamida, secretada naturalmente pelo Sistema Nervoso Central, em maiores níveis durante o sono.
Este sistema é denominado Sistema Endocanabinoide. Ele é responsável por colaborar com a homeostasia do nosso organismo, que se trata do bom funcionamento geral dos órgãos e sistemas, especialmente no que se refere a imunomodulação, neurofisiologia e fisiologia gastrointestinal.
Dentro da neurologia e neurocirurgia, quais as principais indicações de tratamento com derivados da cannabis?
Atualmente o canabidiol é formalmente indicado para tratamento de síndromes epiléticas refratárias na infância.
Contudo, tendo em vista a relativa segurança da medicação, considerando ainda a sua tolerabilidade e mecanismo de ação, e a liberdade do médico em propor o tratamento ao paciente com o seu consentimento, a terapia canabinoide, ou terapia canábica, vem ganhando espaço para uso em diversas condições de saúde.
Em neurologia e em neurocirurgia, a terapia vem sendo aplicada de maneira adjuvante principalmente em pacientes com dores crônicas, portadores de Mal de Alzheimer e Doença de Parkinson, e Transtorno do Espectro Autista. Também vem sendo utilizada em pacientes com doenças incuráveis ou terminais, como medida de conforto e bem-estar, assim como nos casos de quadro sequelar devido traumatismo cranioencefálico.
Quais são os principais canabinoides prescritos e quais as principais indicações de cada um deles?
As substâncias ativas das medicações que agem no Sistema Endocanabinoide são os fitocanabinoides extraídos da inflorescência da planta fêmea da cannabis sp, popularmente conhecida como Maconha.
Os fitocanabinoides são as substâncias medicamentosas que vão agir nos receptores celulares, e gerar o seu efeito. Os mais conhecidos são o Canabidiol e o Tetrahidrocanabinol, mas existem mais de uma centena de fitocanabinoides descritos que podem ser extraídos das plantas, todos com mecanismo de ação celular no organismo.
O fitocanabinoide mais estudado e amplamente utilizado é o Canabidiol, conhecido pela sigla CBD. Como dito, é utilizado com indicação formal nas epilepsias refratárias da infância, e já é amplamente utilizado por médicos especializados em tratamento de dor.
Outro conhecido fitocanabinoide, o Tetrahidrocanabinol – THC, vem vencendo resistência cultural e ganhando espaço devido suas propriedades de atuação na função mental, cognitiva e comportamental, com trabalhos sendo desenvolvidos em diversas áreas, inclusive reumatológicas e oncológicas.
Desta forma, atualmente as medicações disponíveis para uso são aquelas que contêm Canabidiol – CBD isolado, e aquelas com Canabidiol – CBD de espectro total (“full spectrum”), que contém em sua formulação todos os fitocanabinoides extraídos nas plantas, inclusive o THC. Se advoga que quando são utilizadas as substâncias de maneira completa, ocorre o chamado efeito comitiva (efeito entourage), onde todas as formas moleculares irão agir em consonância, de maneira regulatória, sinérgica ou inibitória, levando a efeito mais pronunciado e diverso do que quando se faz uso da medicação de CBD isolado.
Neste tipo de composto, de espectro total, ainda há a presença dos outros dois tipos de elementos existentes nas plantas, os flavonoides e os terpenos.
Os flavonoides são moléculas biologicamente ativas principalmente na forma de ação antioxidante, e os terpenos são as substâncias presentes nos alimentos vegetais responsáveis pelos seus sabores e odores característicos, cujo efeito biológico ainda é indeterminado.
Apesar de conter todas as substâncias, este perfil de medicação, de espectro total, não desenvolve os mesmos efeitos mentais da planta fumada, uma vez que neste caso grande parte dos efeitos não desejados como desmotivação, ansiedade e euforia, alterações sensoriais e psicoses, assim como tolerância e consequente dependência, são determinados pela rápida elevação nos níveis sanguíneos dos seus elementos, e pela descarboxilação por aquecimento das moléculas dos fitocanabinoides na ocasião de quando a planta é fumada, fato que não ocorre quando as substâncias são extraídas farmacologicamente das plantas, e são ingeridas via trato gastrointestinal, que ainda conta com o metabolismo de passagem hepática.
Existem efeitos colaterais destes medicamentos?
Independentemente do perfil da medicação canábica utilizada, o médico deve estar atento aos efeitos indesejados das substâncias. Uma vez proposta a terapia e iniciado o uso, o paciente deve retornar ao seu médico prescritor em uma semana para avaliar os efeitos imediatos do tratamento e sua evolução. Ele também deve ser orientado a abandonar o uso imediatamente em caso de apresentar tolerância, que seria a necessidade de elevação subsequente da dose para o efeito desejado, ou se apresentar outro efeito colateral significativo.
Ademais, a prescrição deve ser muito criteriosa para pacientes portadores de doenças cardiovasculares, especialmente arritmias e coronariopatias, assim como doenças psiquiátricas de forma geral, onde o uso, em ambas as condições, pode desencadear piora da condição prévia e exacerbação de sintomas. Deve se mencionar que a Associação Brasileira de Psiquiatria contraindica o uso dos derivados de cannabis como tratamento de escolha para as doenças psiquiátricas.
Ainda, seu uso concomitante a medicações de ação em sistema nervoso central, como anticonvulsivantes, antidepressivos e benzodiazepínicos, deve ser realizado com seguimento médico estrito, para atestar que as interferências medicamentosas não estejam prejudicando o tratamento convencional do paciente.
Deve se lembrar que os medicamentos à base de cannabis sp são fitomedicamentos, sendo geralmente derivados da extração natural de seus elementos, e são utilizados como adjuvantes, ou seja, agentes de colaboração ao tratamento convencional. Este não deve ser abandonado em favor da terapia canábica, que deve ser sempre individualizada e contar com acompanhamento clínico por profissional especializado.